2014/06/18

Dia 1885

Então é isso.
Sempre foi assim. 2 pedras de crack, R$ 20,00. Um baseado aqui, um ali. Aquele garoto que fica brincando na esquina tem uma glock e você nem sabia. Não sou nenhum hipócrita ou moralista. Porra nenhuma, já fiz muita merda mesmo e com isso aprendi. Mas chega uma hora que a ficha cai mané, que brincar de aproveitar a vida não rola mais. A realidade que a gente tem é essa mesmo e fugir dela, isso sim seria um ato hipocrita além de imoral aos bons costumes da sociedade. Até ser covarde demais também. 
Eu nao me reporto ao Estado, nem ao Governador Geral. Também não me reporto ao meu comandante. Não quero ninguém tomando ferro pelos meus atos. Deixa Deus me julgar e quando Ele me perguntar porque fiz tudo que fiz, poderei dizer que só estava mantendo o equilibrio da balança.
A primeira coisa que me disseram foi pra esconder as tatuagens, vagabundo adora decorar desenho pra te caçar por ai depois. Segundo, que se eu usasse aliança que a tirasse em horario de serviço... Vagabundo adora atingir onde mais dói na gente - o coração - pensei.
Todo dia eu ia trabalhar meio que com o coração na boca por não saber como seria meu dia ou se voltaria pra casa a noite. Já fui em 2 enterros só esse ano. O segundo vi a mulher do cara debruçada no caixão e fiquei imaginando o que ela pensaria se soubesse que o marido rodou que nem um peão quando tomou um tiro de um viciado de merda. Por isso eu me cuidava sabe? Sempre me protegia quando dava. Mas um tiro de 762 nem o colete segura cara. Ai é foda. Cansei de chutar porta em favela e me deparar com um drogadinho dando um pico, um trago, um tirinho por ai. E a parte pior é que esculachar essas desgraça não adianta de nada. No dia seguinte essas porra vão estar fazendo as mesmas coisas novamente. 

Eu acordava cedo, lustrava a botina e colocava a ponto 40 nas costas. Sempre checava se estava carregada. Procedimento padrão. 

Espanhol - eles me chamavam assim, acho que é pelo meu sobrenome - esse aqui tava estuprando uma garota de 13 anos. Os moradores pegaram ele e amarraram. A garota foi levada pro hospital. - Alguém viu vocês pegarem ele e trazerem o infeliz pra cá? - Não senhor.
A casa era um lixão. Nem sei porque faziamos incursão ali naquele dia. - Indio, liga o fogão... Alemão, pega aquele cabo de vassoura ali pra mim. Fechem as cortinas que o rabo de alguém vai pegar fogo hoje. Espero que a vossa Maria do Rosário não esteja observando isso agora. 
A gente mata um leão por dia cara, não tem essa não. É tipo a selva cinza isso aqui, ou você mata ou você morre. E eu não quero ser o cara que fica caído. E se algum dia eu cair, levanto atirando irmão. No começo eu até pensava que aquele que levou um tiro e estava ensanguentado no chão por minha causa falando 'porque doutor?' ou 'desculpa senhor' e até 'me ajuda patrão, não me deixa morrer não' podia ser o pai de alguém, o marido de alguma mulher por ai... A mãe do moleque podia estar esperando ele pra jantar em casa naquele dia e ele nunca mais ia voltar. O sentimento de culpa ás vezes batia, mas se eu deixasse aquilo tomar espaço eu não ia disparar minha arma nunca mais e ai, ia ser eu pedindo por uns minutos a mais de vida pra poder ver minha pequena de novo. A gente escolhe nossos caminhos sabe? A trilha de migalhas a gente que escolhe se vai ou não seguir.
Mas de uma coisa eu sei: Essa noite eu volto pra casa.

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